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Maurício estava completamente entregue ao brinquedo, no pátio, quando a mãe o advertiu:

- Brincaste bastante por hoje, filho. Pensa em fazer os trabalhos que ainda não acabaste.

Aparentemente contrariado, Maurício, que estava por fazer entrar a sua pedra no “céu”, entrou em casa, resmungando. Certamente lhe ouviram pronunciar alguma amarga reflexão acerca dessa cruel necessidade de “sempre obedecer”.

- Como quisera ser grande, para fazer minhas quatro vontades!

Contudo, exprimiu esse desejo de maneira bastante discreta. Papai, porém, tem o ouvido bem apurado e nada lhe escapa; de maneira que deteve o homenzinho ao passar.

- Tua mãe acaba de dizer-te que deves terminar os teus deveres escolares. Quando estiverem acabados, vem ver-me: tenho alguma coisa para mostrar-te.

A voz do pai não era de ralho. Além disso, não costumava mostrar-se ríspido. É de gênio bom e afável, e, se chega a moralizar, fá-lo de maneira tão agradável, tão interessante, que torna aprazível e proveitoso ser por ele admoestado.

Maurício apressou, pois, a terminação dos deveres e foi, com a confiança dum rapazinho sem medo nem culpa, apresentar-se diante do pai.

- Que quer o Senhor dizer-me, papai?

- Isto, filho: Sabes mandar?

- Mas, exclamou Maurício, estupefato, nunca tenho de mandar; só se exige de mim obediência.

- Que engano! Tu mandas, meu amigo, e todos os dias, a um bom número de serviçais.

A mais ou menos nove.

- O senhor está brincando comigo, papai!

- De maneira nenhuma. Como me permitiria tal coisa? Convencer-te-ás rapidamente desta verdade. Examinemos juntos esses servidores. Vejo dois neste momento, que me olham fixamente, com ar bastante assombrado.

- Meus olhos! São meus olhos, mas eu nunca tinha pensado nisso!

- Que fossem teus servidores? Entretanto, quantos bons serviços te prestam! Obedecem tão somente à tua vontade. Vêem o que lhes ordenas ver. Graças a eles desfrutas da luz, das delícias da natureza, do sorriso de teus pais, e nem sei quantas outras coisas mais. Se queres ler, decifram para ti os caracteres de imprensa. Enfim, são dois maravilhosos auxiliares, dóceis e atentos. Mas, existem também outros. Vejo outros dois, igualmente amáveis. Por meio deles vais e vens, corres, saltas, brincas com a bola, etc. Penso que não precisarei mencioná-los.

- Minhas pernas! – exclamou Maurício, muito divertido com essa aventura de descobrimento. – Logo chegará também a vez dos braços.

- Exatamente; eles também merecem toda a nossa atenção. Como farias sem eles, para lavar-te, alimentar-te, trabalhar, brincar? Façamos uma breve recapitulação: Dois olhos, duas pernas, dois braços; são, pois, seis escravos sujeitos à tua pessoa. Não te custará descobrir os outros. Um deles é a língua precioso instrumento pelo qual podes comunicar teu pensamento à tua família e aos que te rodeiam, falar, assobiar, cantar, etc. E, finalmente, esses pequenos aparelhos acústicos que ornam os lados de tua cabeça; eles percebem os sons, a voz dos que vivem perto de ti, permitem também que gozes a música da harmonia da natureza. E pretendias ter de só “obedecer”, com tão numeroso pessoal sob as tuas ordens! Estarás convencido do contrário? Mandas, meu filho. Eis, pois, a explicação de minha pergunta de há pouco: Sabes mandar?

- Mas, disse Maurício, que quer o senhor dizer com isso, papai?

- Isto, meu filho: Esses servidores fiéis, amáveis, que são os teus membros e sentidos, podes empregar para o bem ou para mal. Podem, segundo a tua vontade, ser úteis ou prejudiciais à tua vida moral.

“Com o mesmo braço, por exemplo, podes retirar do pântano uma pessoa que nele caiu, ou atirar uma pedra que cegue um companheiro. Com as mesmas pernas, podes ir buscar auxílio para um ferido, ou seguir maus companheiros em suas malandragens. Com os mesmos lábios, a mesma boca, podes louvar a Deus ou proferir odiosas mentiras.

“Trata-se, pois, para ti, meu amigo, de saber mandar com inteligência, discernimento e energia, as faculdades do teu ser. Esse domínio próprio, temos continuamente de exercer também, nós, os “grandes”. Mandar-se a si mesmo é, às vezes, mais difícil que obedecer ao mando duma mãe que nos faz pensar nos trabalhos que estão por acabar”.

Com essa conclusão, qualquer outro teria baixado a cabeça, mas Maurício ergueu-a, olhar firme, luminoso, armado de nova resolução.

- Procurai mandar bem e ser como o senhor, papai.

- Façamos o melhor, meu filho, e também, sejamos orgulhosos desta gloriosa liberdade de ação, pois se ela pode causar-nos a miséria, pode também criar nossa grandeza.

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